Na esteira do anúncio da Ford em abandonar a operação brasileira e dos recentes anúncios de investimentos bilionários para o ciclo 2021-2024 de montadoras como Volkswagen, General Motors e Renault, surgem as seguintes perguntas: produzir carros no Brasil dá lucro e; é tão caro assim preparar fábricas para produzir novos carros?
Para responder a essas perguntas, precisamos antes entender melhor o que as montadoras chamam de lucro e o que significa realmente estes aportes financeiros chamados de investimentos.
Para a primeira questão, de lucro, precisamos entender como funcionam atualmente as empresas automotivas. Basicamente, são grupos de capital aberto, com ações em bolsa de valores e, portanto, sem a figura tradicional de um dono e com inúmeros acionistas.
Para acionistas, o que importa no final do dia são os dividendos, ou quanto o investimento deles terá gerado de receita após um determinado período. De maneira simplista, a montadora precisa gerar um valor superior ao juro que o montante investido geraria se aplicado em algum banco para ter dado lucro.
Logo, do ponto de vista financeiro, uma montadora terá dado lucro se, após o “ciclo de investimento”, gerar ganhos superiores ao rendimento deste mesmo “investimento” se aplicado em um banco pelo mesmo período.
Se o valor gerado for positivo, mas inferior ao rendimento desta “aplicação”, reporta-se prejuízo. E, claro, se a operação necessitar de aportes adicionais para fechar no zero, tem-se um enorme problema porque montadoras não são instituições filantrópicas onde pessoas investem dinheiro para outras terem carro.
Já a segunda questão, de investimentos, percebe-se que este está diretamente ligado à questão anterior e dita o quanto árduo ou difícil será a geração do lucro desejado. Mas, atentemos ao fato de os montantes anunciados como investimentos não serem integralmente destinados para custear modernizações ou para a produção de novos veículos.
Nestes montantes estão, sim, despesas com novos produtos, mas, também, os gastos para manutenção da operação do negócio como um todo: fábricas, pessoal e demais estruturas ou recursos vinculados ao negócio.
Não queremos aqui aprofundarmo-nos na discussão sobre contabilidade de custos para uma montadora de veículos, mas mostrar que os “investimentos” são apenas o topo de um enorme iceberg, truncado, complexo e diretamente impactado por uma série de fatores internos, que dependem da gestão da montadora, e externos, cuja ocorrência e duração independem da vontade da empresa, mas tanto a intensidade como seus efeitos podem ser mitigados através de um modelo de gestão eficiente.
Quando ouvirmos agora ciclos de investimento de 10 bilhões de reais para os próximos cinco anos e 10 novos produtos, não significa que a montadora gastará 1 bilhão por carro e que demorará estes cinco anos para iniciar sua produção. Significa, na verdade, que toda a sua operação custará 2 bilhões de reais por ano e lançará mão de novos produtos para manter-se relevante no mercado e, além de recuperar este montante, gerar os ganhos necessários para pagar aos seus acionistas os dividendos desejados e, assim, ter condições de conseguir novos aportes futuros e reiniciar todo este ciclo.