Existe uma máxima muito presente na rotina de Pesquisa e Desenvolvimento: o que pode dar errado, vai dar errado! Você já deve ter ouvido essa que é uma das famigeradas Leis de Murphy.
Também não é segredo que o Brasil enfrenta os desafios inerentes da eletrificação da frota de veículos, juntamente com o crescimento exponencial desse mercado. De acordo com a ABVE (Associação Brasileira de Veículos Elétricos), no primeiro quadrimestre de 2021, 7.240 veículos elétricos e/ou híbridos foram registrados no país. No comparativo com o mesmo período de 2020, a venda de carros elétricos foi 29% maior e, se compararmos com 2019 pré-pandemia, o aumento foi de 464%!
Essa aceleração, segundo a BorgWarner, empresa multinacional americana, pode ser explicada pela maior autonomia dos carros elétricos, aumento nos pontos de recarga, presentes hoje em condomínios, supermercados e postos de gasolina, redução de IPVA, como já em vigor nos estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Mato Grosso do Sul, Paraná, Rio Grande do Sul, Maranhão e Pernambuco, queda no preço de venda dos veículos elétricos, sem falar no preço dos combustíveis fósseis e biocombustíveis.
Com o prazo para zerar as emissões de gases que causam o efeito estufa até 2050 e o parlamento europeu determinando que a partir de 2035 não haverá mais comercialização de veículos equipados com motores movidos à combustão, as montadoras planejam lançar 400 novos modelos elétricos ou híbridos até 2025 ao redor do mundo.
Logo, o crescimento da frota de veículos elétricos no Brasil deve se acentuar nos próximos anos e, para suportá-lo, os investimentos em infraestrutura estão focados basicamente nos pontos de recarga, para mitigar as limitações de autonomia deste tipo de veículo, hoje na casa dos 500 km, e assim dar maior velocidade na eletrificação da nossa frota. Isso porque, estima-se que para o país reduzir as emissões de CO2 nos níveis necessários, o Brasil necessita da instalação de pelo menos 150 mil carregadores, com um custo estimado de R$ 14 bilhões.
Mas onde está a falta de planejamento então?
O portal GP1 publicou em 25 de agosto a seguinte manchete para o artigo do Estadão Conteúdo: “Bolsonaro edita decreto que obriga racionamento de energia”. Nele, destaca-se que “por meio do decreto, o Governo Federal se une ao esforço realizado pela sociedade na tomada de medidas de redução do consumo de energia elétrica, necessárias para o enfrentamento da situação hidro energética desfavorável”. Trata-se da pior crise hídrica dos últimos 91 anos!
Eis um dos elos da falta de planejamento: dependermos daquilo que não controlamos para produzirmos o que estamos a cada dia mais dependentes: chuva e eletricidade!
Em 2006, foi publicado pelo Ministério de Minas e Energia o PNE 2030 (Plano Nacional de Energia 2030), primeiro estudo de planejamento integrado dos recursos energéticos. Conduzidos pela EPE (Empresa de Pesquisa Energética) em estreita vinculação com o MME, os estudos do PNE2030 originaram a elaboração de quase uma centena de notas técnicas, fornecendo os subsídios para a formulação de uma estratégia de expansão da oferta de energia econômica e sustentável com vistas ao atendimento da evolução da demanda, segundo uma perspectiva de longo prazo.
No relatório final, na parte de Estratégia para Expansão da Oferta, o impacto previsto pela eletrificação da frota de veículos no Brasil foi de ZERO! Por mais que o estudo tenha sido feito de modo detalhado, robusto e esteja bastante completo, ignorar a eletrificação da frota de veículos coloca todo o planejamento para 2030 em risco e, lembra de Murphy? O que pode dar errado, vai dar errado e teremos mais um elo…
Também em 2006, o Parlamento Europeu aprovava a Diretiva 2006/32/EC, que visava a redução de energia necessária para o provento de produtos e serviços. Os níveis de emissão de CO2 impostos para os anos subsequentes deixava claro que a redução de cilindros dos motores a combustão associado ao uso do turbo seria uma solução intermediaria, até que as tecnologias por trás do carro elétrico estivessem todas assimiladas pela indústria automotiva.
É basicamente essa a configuração dos motores que passaram a integrar nossos veículos depois do INOVAR Auto, que vigorou no Brasil entre 2013 e 2016. E, agora, vemos o mercado europeu andar a passos largos para a completa restrição do uso de combustíveis fosseis.
Considerando que estamos historicamente uma década atrás da Europa em termos de tecnologia automotiva, que em 2030 não haverá mais novos desenvolvimentos de veículos equipados com motor a combustão, que a eletrificação da frota brasileira acompanhará os mercados maduros, que nossa matriz energética ainda é dependente de hidroelétricas, que não pensamos na eletrificação da frota de veículos no Brasil até 2030 e que a Lei de Murphy não tarda nem falha, eu te pergunto: eu estou sendo pessimista ao aventar que os elos da falta de planejamento formarão uma corrente que poderá nos sufocar?